quarta-feira, 17 de maio de 2017

A Memória Amnésica.

Não lembro do primeiro dia de sol, mas lembro do primeiro banho de chuva, não lembro mais onde está a felicidade mas sei onde está a tristeza, lembro do primeiro samba, mas não lembro quando comecei a ouvir Tom e Vinícius. Lembro do primeiro gozo, mas já esqueci minha última raiva, lembro de trocar os beijos por goles de bebida, elas sempre me atraíram mais. Lembro da primeira traição, da segunda e da terceira, da quarta em diante eu preferi esquecer. Lembro do primeiro tombo, mas não consigo lembrar quando foi que eu não caí, lembro do detalhe mais insignificante da pintura mas não lembro onde está a chave da porta. Achei a chave. Mas não sei onde está a porta, onde é minha casa, qual é minha cama. Continuo a acordar mas já esqueci o motivo, tomo todos os remédios mas já não sei mais pra quê, eu assino o talão de cheques, o formulário, o atestado, a notificação, mas já não sei mais como me chamam. Lembro de ter ouvido o vinil da Angela RoRo, mas já não sei como aquele cantor brega veio parar no IPod. Lembro do meu último casamento, mas não sei com quem casei, lembro do primeiro livro, mas não sei quem é o autor. Quando mesmo foi o ano que prometemos ficar juntos até a madeira do caixão virar adubo? Ou que ficamos deitados no céu olhando a normatividade do povo lá embaixo? Eu não sou especial, eu troco nomes, datas, endereços, propósitos, objetivos, prioridades, vivências, experiências. Eu só não troco o sentido pelo qual eu vivo, pra uns louco, pra outros maluco. Pra quê mesmo você disse que é bom manter a razão?