Lembro do seu olhar maroto me observando de trás do poste,
dos cigarros que você acendia, mas que não sabia fumar, da tentativa
desesperada em parecer que falava com alguém toda vez que eu me aproximava.
Você me parecia tão jovem, tão frágil, e eu só queria estar ali, te proteger,
te guardar em meus braços e não mais soltar. Será que eu me enganei tanto? Será
mesmo que foi tudo um sonho só meu? Mas e as palavras, as imagens e todo o
resto que você me disse? Eu não quero jogar fora, eu não quero terminar, mesmo
que não tenhamos começado nada. Eu preciso de você, eu te quero errante, te
quero por inteiro. Eu até mudei os móveis de lugar pra que você se sinta em
casa quando vier pra cá, o desenho que eu fiz pra você, eu pendurei na porta do
quarto só pra te ver toda vez que eu acordar. Abraço o travesseiro imaginado
você ali, no que era pra ser teu, na cama que era pra ser tua, nosso tatame do
cio, na luta de quem sente mais prazer, e no final você, nu em pêlo. Pêlo a
pêlo, barba com barba, ventre com ventre, falo com falo. Eu ainda penso em você
enquanto transo com os outros, eu tento imaginar o seu cheiro no deles, a mão
que me toca é a sua, a boca que me deflora é a sua. Não consigo encará-los, não
consigo sequer olhar naqueles olhos sedentos, é você que eu vejo. Dizem que se
cura um amor com outro, mas e se toda vez que eu tentar te esquecer, você
estiver lá? Eu parei aqui, aonde você me deixou, sem seguir em frente e com medo
de ir lá atrás buscar alguém que me faça te esquecer. Em meio a tantas
perguntas eu continuo aqui, parado no meio do mundo, sentindo a chuva e
imaginando o beijo dos apaixonados, sentindo o sol e o calor que me sobe toda
vez que imagino a nós, mas é sempre noite, é sempre frio, é sempre vazio.
domingo, 11 de outubro de 2015
Memórias De Um Palhaço Sem Graça.
Dizem que a vida imita a arte ou é o contrário, prefiro
pensar que a arte é única.
Natimorto.
Ando vendo o mundo em câmera lenta, vejo apenas o traço bêbado
dos faróis dos carros, a silhueta dos casais se beijando nos coretos, a sombra
do velho se arrastando na parede. O mundo anda tão sem graça, é como se todos
os dias fossem domingo, aquela preguiça de não fazer nada e o impulso de querer
fazer tudo, nessa dualidade quem ganha é a preguiça. Quero amar, mas não tem
ninguém e meu orgulho não me deixa procurar, sigo a filosofia de sempre
aparentar estar bem, mesmo querendo expor todas as minhas vontades. Na verdade
eu cansei, cansei de procurar pelas pessoas, de ouvir as novas músicas daquele
cantor que eu amava, de ir ver a exposição daquela artista que me inspiravam.
As vezes eu acho que já morri, e o que está aqui é o espírito do que jamais
esteve espiritualizado, ou talvez, minha alma foi passear e deixou o corpo
aqui. Não sei! Me sinto morto desde que nasci, a sensação de que falta algo, é
crescente! Quer saber? Eu vou por aí e se perguntarem por mim, diz que eu
morri! Desencarnei a dois meses e o que escreve aqui é a parte morta do que
jamais foi vivo um dia. Fui.
Firme, foda e único.
Um coração ferido já não manda mais em si, segue pulsando
freneticamente em direção ao primeiro que lhe aparece. Segue andando
cambaleante, trocando as pernas, tropeçando no meio fio das calçadas. Cair já
não machuca mais, ele está ferido, se esvaindo em sangue, suor, choro, gozo,
todas as secreções que um corpo é capaz de expelir. Ele estava sempre ali,
sempre esteve. No revirar dos olhos e nas pernas trêmulas de prazer, no suor
que escorre da fricção entre os corpos no gosto salgado que veio a boca quando
os tapas foram proferidos, na dor estampada em forma de lágrimas que feito água
na nascente, brota nos olhos e deságua nas curvas do rosto. Um coração ferido
mão tem mais pra onde ir, ele sobe o morro, bebe cachaça e incorpora a falsa
entidade que lhe promete trazer a pessoa amada em três dias, ele vai pra Zona
Sul escrever sua história na mais fina seda só pra dizer que é um “baseado em
fatos reais”, ele anda, anda, anda e segue sem rumo, sorrindo para o choro
alheio, chorando pros sorrisos amigos. Por mais profunda que seja a ferida, ela
há de cicatrizar, e esse maltrapilho coração, voltará a pulsar em seu compasso
firme, foda e único.
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